segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O DOM DA RECIPROCIDADE

Mensagem de Sua Santidade Bento XVI
para a Quaresma de 2012

“Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos
ao amor e às boas obras” (Heb 10, 24)
Irmãos e irmãs! A Quaresma oferece-nos a oportunidade de refletir mais uma vez sobre o cerne da vida cristã: o amor.
Com efeito, este é um tempo propício para renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de fé. Trata-se de um percurso marcado pela oração e a partilha, pelo silêncio e o jejum, com a esperança de viver a alegria pascal.
Desejo, este ano, propor alguns pensamentos inspirados num breve texto bíblico tirado da Carta aos Hebreus: «Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (10, 24). Esta frase aparece inserida numa passagem onde o escritor sagrado exorta a ter confiança em Jesus Cristo como Sumo Sacerdote, que nos obteve o perdão e o acesso a Deus. O fruto do acolhimento de Cristo é uma vida edificada segundo as três virtudes teologais: trata-se de nos aproximarmos do Senhor «com um coração sincero, com a plena segurança da fé» (v. 22), de conservarmos firmemente «a profissão da nossa esperança» (v. 23), numa solicitude constante por praticar, juntamente com os irmãos, «o amor e as boas obras» (v. 24). Na passagem em questão afirma-se também que é importante, para apoiar esta conduta evangélica, participar nos encontros litúrgicos e na oração da comunidade, com os olhos fixos na meta escatológica: a plena comunhão em Deus (v. 25). Detenho-me no versículo 24, que, em poucas palavras, oferece um ensinamento precioso e sempre atual sobre três aspectos da vida cristã: prestar atenção ao outro, a reciprocidade e a santidade pessoal.
«Prestemos atenção»: a responsabilidade pelo irmão.
O primeiro elemento é o convite a «prestar atenção»: o verbo grego usado é katanoein, que significa observar bem, estar atento, olhar conscienciosamente, dar-se conta de uma realidade. Encontramo-lo no Evangelho, quando Jesus convida os discípulos a «observar» as aves do céu, que não se preocupam com o alimento e, todavia, são objeto de solícita e cuidadosa Providência divina (cf. Lc 12, 24), e a «dar-se conta» da trave que têm na própria vista antes de reparar no argueiro que está na vista do irmão (cf. Lc 6, 41). Encontramos o referido verbo também noutro trecho da mesma Carta aos Hebreus, quando convida a «considerar Jesus» (3, 1) como o Apóstolo e o Sumo Sacerdote da nossa fé. Por conseguinte o verbo, que aparece na abertura da nossa exortação, convida a fixar o olhar no outro, a começar por Jesus, e a estar atentos uns aos outros, a não se mostrar alheio e indiferente ao destino dos irmãos. Mas, com frequência, prevalece a atitude contrária: a indiferença, o desinteresse, que nascem do egoísmo, mascarado por uma aparência de respeito pela «esfera privada». Também hoje ressoa, com vigor, a voz do Senhor que chama cada um de nós a cuidar do outro. Também hoje Deus nos pede para sermos o «guarda» dos nossos irmãos (cf. Gn 4, 9), para estabelecermos relações caracterizadas por recíproca solicitude, pela atenção ao bem do outro e a todo o seu bem. O grande mandamento do amor ao próximo exige e incita a consciência a sentir-se responsável por quem, como eu, é criatura e filho de Deus: o fato de sermos irmãos em humanidade e, em muitos casos, também na fé deve levar-nos a ver no outro um verdadeiro alter ego (outro eu), infinitamente amado pelo Senhor. Se cultivarmos este olhar de fraternidade, brotarão naturalmente do nosso coração a solidariedade, a justiça, bem como a misericórdia e a compaixão.
O Servo de Deus Paulo VI afirmava que o mundo atual sofre sobretudo de falta de fraternidade: «O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização ou no monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo» (Carta enc. Populorum progressio, 66). A atenção ao outro inclui que se deseje, para ele ou para ela, o bem sob todos os seus aspectos: físico, moral e espiritual. Parece que a cultura contemporânea perdeu o sentido do bem e do mal, sendo necessário reafirmar com vigor que o bem existe e vence, porque Deus é «bom e faz o bem» (Sal 119/118, 68). O bem é aquilo que suscita, protege e promove a vida, a fraternidade e a comunhão. Assim a responsabilidade pelo próximo significa querer e favorecer o bem do outro, desejando que também ele se abra à lógica do bem; interessar-se pelo irmão quer dizer abrir os olhos às suas necessidades. A Sagrada Escritura adverte contra o perigo de ter o coração endurecido por uma espécie de «anestesia espiritual», que nos torna cegos aos sofrimentos alheios. O evangelista Lucas narra duas parábolas de Jesus, nas quais são indicados dois exemplos desta situação que se pode criar no coração do homem. Na parábola do bom Samaritano, o sacerdote e o levita, com indiferença, «passam ao largo» do homem assaltado e espancado pelos salteadores (cf. Lc 10, 30-32), e, na do rico avarento, um homem saciado de bens não se dá conta da condição do pobre Lázaro que morre de fome à sua porta (cf. Lc 16, 19). Em ambos os casos, deparamo-nos com o contrário de «prestar atenção», de olhar com amor e compaixão. O que é que impede este olhar feito de humanidade e de carinho pelo irmão? Com frequência, é a riqueza material e a saciedade, mas pode ser também o antepor a tudo os nossos interesses e preocupações próprias. Sempre devemos ser capazes de «ter misericórdia» por quem sofre; o nosso coração nunca deve estar tão absorvido pelas nossas coisas e problemas que fique surdo ao brado do pobre. Diversamente, a humildade de coração e a experiência pessoal do sofrimento podem, precisamente, revelar-se fonte de um despertar interior para a compaixão e a empatia: «O justo conhece a causa dos pobres, porém o ímpio não o compreende» (Prov 29, 7). Deste modo entende-se a bem-aventurança «dos que choram» (Mt 5, 4), isto é, de quantos são capazes de sair de si mesmos porque se comoveram com o sofrimento alheio. O encontro com o outro e a abertura do coração às suas necessidades são ocasião de salvação e de bem-aventurança.
O fato de «prestar atenção» ao irmão inclui, igualmente, a solicitude pelo seu bem espiritual. E aqui desejo recordar um aspecto da vida cristã que me parece esquecido: a correção fraterna, tendo em vista a salvação eterna. De forma geral, hoje se é muito sensível ao tema do cuidado e do amor que visa o bem físico e material dos outros, mas quase não se fala da responsabilidade espiritual pelos irmãos. Na Igreja dos primeiros tempos não era assim, como não o é nas comunidades verdadeiramente maduras na fé, nas quais se tem a peito não só a saúde corporal do irmão, mas também a da sua alma tendo em vista o seu destino derradeiro. Lemos na Sagrada Escritura: «Repreende o sábio e ele te amará. Dá conselhos ao sábio e ele tornar-se-á ainda mais sábio, ensina o justo e ele aumentará o seu saber» (Prov 9, 8-9). O próprio Cristo manda repreender o irmão que cometeu um pecado (cf. Mt 18, 15). O verbo usado para exprimir a correção fraterna – elenchein – é o mesmo que indica a missão profética, própria dos cristãos, de denunciar uma geração que se faz condescendente com o mal (cf. Ef 5, 11). A tradição da Igreja enumera entre as obras espirituais de misericórdia a de «corrigir os que erram». É importante recuperar esta dimensão do amor cristão. Não devemos ficar calados diante do mal. Penso aqui na atitude daqueles cristãos que preferem, por respeito humano ou mera comodidade, adequar-se à mentalidade comum em vez de alertar os próprios irmãos contra modos de pensar e agir que contradizem a verdade e não seguem o caminho do bem.
Entretanto a advertência cristã nunca há de ser animada por espírito de condenação ou censura; é sempre movida pelo amor e a misericórdia e brota duma verdadeira solicitude pelo bem do irmão. Diz o apóstolo Paulo: «Se porventura um homem for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi essa pessoa com espírito de mansidão, e tu olha para ti próprio, não estejas também tu a ser tentado» (Gl 6, 1). Neste nosso mundo impregnado de individualismo, é necessário redescobrir a importância da correção fraterna, para caminharmos juntos para a santidade. É que «sete vezes cai o justo» (Prov 24, 16) – diz a Escritura –, e todos nós somos frágeis e imperfeitos (cf. 1 Jo 1, 8). Por isso, é um grande serviço ajudar, e deixar-se ajudar, a ler com verdade dentro de si mesmo, para melhorar a própria vida e seguir mais retamente o caminho do Senhor. Há sempre necessidade de um olhar que ama e corrige, que conhece e reconhece, que discerne e perdoa (cf. Lc 22, 61), como fez, e faz, Deus com cada um de nós.
«Uns aos outros»: o dom da reciprocidade.
O fato de sermos o «guarda» dos outros contrasta com uma mentalidade que, reduzindo a vida unicamente à dimensão terrena, deixa de a considerar na sua perspectiva escatológica e aceita qualquer opção moral em nome da liberdade individual. Uma sociedade como a atual pode tornar-se surda quer aos sofrimentos físicos, quer às exigências espirituais e morais da vida. Não deve ser assim na comunidade cristã! O apóstolo Paulo convida a procurar o que «leva à paz e à edificação mútua» (Rm 14, 19), favorecendo o «próximo no bem, em ordem à construção da comunidade» (Rm 15, 2), sem buscar «o próprio interesse, mas o do maior número, a fim de que eles sejam salvos» (1 Cor 10, 33). Esta recíproca correção e exortação, em espírito de humildade e de amor, deve fazer parte da vida da comunidade cristã.
Os discípulos do Senhor, unidos a Cristo através da Eucaristia, vivem numa comunhão que os liga uns aos outros como membros de um só corpo. Isto significa que o outro me pertence: a sua vida, a sua salvação têm a ver com a minha vida e a minha salvação. Tocamos aqui um elemento muito profundo da comunhão: a nossa existência está ligada com a dos outros, quer no bem quer no mal; tanto o pecado como as obras de amor possuem também uma dimensão social. Na Igreja, corpo místico de Cristo, verifica-se esta reciprocidade: a comunidade não cessa de fazer penitência e implorar perdão para os pecados dos seus filhos, mas alegra-se contínua e jubilosamente também com os testemunhos de virtude e de amor que nela se manifestam. Que «os membros tenham a mesma solicitude uns para com os outros» (1 Cor 12, 25) – afirma São Paulo –, porque somos um e o mesmo corpo. O amor pelos irmãos, do qual é expressão a esmola – típica prática quaresmal, juntamente com a oração e o jejum – radica-se nesta pertença comum. Também com a preocupação concreta pelos mais pobres, pode cada cristão expressar a sua participação no único corpo que é a Igreja. E é também atenção aos outros na reciprocidade saber reconhecer o bem que o Senhor faz neles e agradecer com eles pelos prodígios da graça que Deus, bom e onipotente, continua a realizar nos seus filhos. Quando um cristão vislumbra no outro a ação do Espírito Santo, não pode deixar de se alegrar e dar glória ao Pai celeste (cf. Mt 5, 16).
«Para nos estimularmos ao amor e às boas obras»: caminhar juntos na santidade.
Esta afirmação da Carta aos Hebreus (10, 24) impele-nos a considerar a vocação universal à santidade como o caminho constante na vida espiritual, a aspirar aos carismas mais elevados e a um amor cada vez mais alto e fecundo (cf. 1 Cor 12, 31 – 13, 13). A atenção recíproca tem como finalidade estimular-se, mutuamente, a um amor efetivo sempre maior, «como a luz da aurora, que cresce até ao romper do dia» (Prov 4, 18), à espera de viver o dia sem ocaso em Deus. O tempo, que nos é concedido na nossa vida, é precioso para descobrir e realizar as boas obras, no amor de Deus. Assim a própria Igreja cresce e se desenvolve para chegar à plena maturidade de Cristo (cf. Ef 4, 13). É nesta perspectiva dinâmica de crescimento que se situa a nossa exortação a estimular-nos reciprocamente para chegar à plenitude do amor e das boas obras.
Infelizmente, está sempre presente a tentação da tibieza, de sufocar o Espírito, da recusa de «pôr a render os talentos» que nos foram dados para bem nosso e dos outros (cf. Mt 25, 24-28). Todos recebemos riquezas espirituais ou materiais úteis para a realização do plano divino, para o bem da Igreja e para a nossa salvação pessoal (cf. Lc 12, 21; 1 Tm 6, 18). Os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua. Queridos irmãos e irmãs, acolhamos o convite, sempre atual, para tendermos à «medida alta da vida cristã» (João Paulo II, Carta ap.Novo millennio ineunte, 31). A Igreja, na sua sabedoria, ao reconhecer e proclamar a bem-aventurança e a santidade de alguns cristãos exemplares, tem como finalidade também suscitar o desejo de imitar as suas virtudes. São Paulo exorta: «Adiantai-vos uns aos outros na mútua estima» (Rm 12, 10).
Que todos, à vista de um mundo que exige dos cristãos um renovado testemunho de amor e fidelidade ao Senhor, sintam a urgência de esforçar-se por adiantar no amor, no serviço e nas obras boas (cf. Heb 6, 10). Este apelo ressoa particularmente forte neste tempo santo de preparação para a Páscoa. Com votos de uma Quaresma santa e fecunda, confio-vos à intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria e, de coração, concedo a todos a Bênção Apostólica.
Vaticano, 3 de Novembro de 2011
[Benedictus PP. XVI]

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

CATEQUESE DE BENTO XVI


Catequese de Bento XVI - 15/02/2012
Boletim de Sala de Imprensa da Santa Sé
(Tradução: Mirticeli Medeiros - equipe do CN notícias)





CATEQUESE
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
  
Queridos irmãos e irmãs,
 Na nossa escola de oração, quarta-feira passada, falei sobre a oração de Jesus na cruz que foi extraída do Salmo 22: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonastes? Agora gostaria de continuar a meditar sobre a oração de Jesus na cruz, na iminência da morte, gostaria de deter-me hoje sobre a narração que encontramos no Evangelho de São Lucas. O Evangelista nos transmitiu três palavras de Jesus sobre a cruz, duas das quais – a primeira e a terceira – são orações voltadas explicitamente ao Pai. A segunda, ao contrário, é constituída da promessa feita ao chamado bom ladrão, crucificado com Ele; respondendo, de fato, à oração do ladrão, Jesus o assegura: “Em verdade eu te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (Luc 23,43). Na narração de Lucas se entrelaçam  sugestivamente as duas orações que Jesus morrendo endereça ao Pai e a acolhida da suplica que a Ele é dirigida pelo pecador arrependido. Jesus invoca o pai e também escuta a oração daquele homem que é geralmente chamado latro poenitens, o ladrão arrependido.

Detenhamos-nos sobre estas três orações de Jesus. A primeira ele a pronuncia depois de ter sido pregado na cruz, enquanto os soldados dividem as suas vestes como triste recompensa pelo serviço deles. Num certo sentido é com este gesto que se conclui o processo da crucificação. Escreve São Lucas: “Quando chegaram ao lugar chamado Gólgota, crucificaram-no e os malfeitores, um à direita e o outro à esquerda. Jesus Dizia: “Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem. Depois, dividindo suas vestes, tiraram a sorte sobre elas” (23,33-34). A primeira oração que Jesus voltada ao Pai é de intercessão: pede o perdão pelo próprios algozes. Com isto, Jesus cumpre pessoalmente aquilo que havia ensinado no discurso da montanha quando disse: “A vós que escutais, eu digo: amais os vossos inimigos, façais o bem àqueles que vos odeiam” (Luc 6,27) e tinha também prometido àqueles que sabiam perdoar: “a vossa recompensa será grande e sareis filhos do Altíssimo” (v.35). Agora, da cruz, Ele não somente perdoa os seus algozes, mas se dirige diretamente ao Pai intercedendo em favor deles.

Essa atitude de Jesus encontra uma imitação comovente na narração do apedrejamento de São Estevão, primeiro mártir. Estevão, de fato, próximo do fim, “ajoelhou-se  e gritou em alta voz: “Senhor, não os condenes por estes pecados”. Dito isto, morreu” (At 7, 60) esta foi a sua ultima palavra. O confronto entre a oração de perdão de Jesus e aquela do primeiro mártir é significativo. São Estevão se volta ao Senhor Ressuscitado e pede que o seu assassinato – um gesto definido claramente com “este pecado” - não seja imposto sobre seus assassinos. Jesus sobre a cruz se volta ao Pai e não somente pede perdão para aqueles que o crucificaram, mas oferece também uma leitura daquilo que está acontecendo. Segundo as suas palavras, de fato, os homens que o crucificaram “não sabem aquilo que fazem” (Lc 23,34). Ele coloca, por assim dizer, a ignorância, o não saber, como motivo do pedido de perdão ao Pai, porque esta ignorância deixa aberta a via em direção à conversão, como acontece nas palavras que o centurião pronunciará diante da morte de Jesus: “Verdadeiramente, este homem era justo” (v. 47), era o filho de Deus. “Permanece uma consolação para todos os tempos e por todos os homens o fato que o Senhor esteja ao lado daqueles que verdadeiramente não sabiam -  os algozes – seja daqueles que sabiam e o haviam condenado, coloca a ignorância como motivo do pedido de perdão -  a vê como a porta que pode abrir-nos à conversão” (Jesus de Nazaré, II, 233).

A segunda palavra de Jesus sobre a cruz trazida por São Lucas é uma palavra de esperança, é a resposta à oração de um dos dois homens crucificados com Ele. O bom ladrão diante de Jesus entra em si mesmo e se arrepende, chega à conclusão de encontrar-se diante do Filho de Deus, que torna visível o rosto de Deus, e o pede: “Jesus, recorda-te de mim quanto entrares no teu reino” (V.42). A resposta do Senhor a esta oração vai bem além do pedido, de fato, diz: “Em verdade eu te digo: hoje estarás comigo no paraíso” (v.43). Jesus é consciente de entrar diretamente na comunhão com o Pai e de reabrir ao homem a via para o paraíso de Deus. Assim através desta resposta dá a firme esperança que a bondade de Deus pode tocar-nos também no último instante da vida e a oração sincera, também depois de uma vida errada, encontra os braços abertos do Pai bom que espera o retorno do filho.

Mas nos voltemos para as ultimas palavras de Jesus que morre. O Evangelista narra: “ Era por volta de meio dia e uma escuridão cobriu toda a terra até as três da tarde, porque o sol parou de brilhar”. O véu do templo se rasgou no meio. Jesus, gritando em alta voz disse: “Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito”. Dito isto, expirou. (vv 44-46). Alguns aspectos dessa narração são diferentes em relação ao quadro oferecido por Marcos e Mateus. As três horas de obscuridade em Marcos não são descritas, enquanto em Mateus são ligadas com uma série de diversos acontecimentos apocalípticos, como o terremoto, a abertura dos sepulcros, os mortos que ressuscitam (Mt 27,51-53). Em Lucas, às três horas de obscuridade tem no escurecimento do sol, mas naquele momento aconteceu a laceração do véu do templo. Deste modo, a narração de Lucas apresenta dois sinais, de qualquer modo, paralelos, no céu e no templo. O céu perde a sua luz, a terra se afunda, enquanto que no templo, local da presença de Deus, se parte o véu que protege o santuário. A morte de Jesus é caracterizada explicitamente como evento cósmico e litúrgico, em particular, marca o início de um novo culto, em um templo não construído por homem, porque é o próprio corpo de Jesus morto e ressuscitado, que reúne os povos e os une no Sacramento do Seu Corpo e do seu sangue.

A oração de Jesus naquele momento de sofrimento - “Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito” - é um forte grito de extremo e total confiança em Deus. Tal oração exprime a plena consciência de não estar abandonado. E quando os pais tempos atrás o haviam manifestado preocupação, Ele havia respondido: “Por que me procurais? Não sabeis que eu devo me preocupar com as coisas de meu Pai?” (Lc 2,49). Do início ao fim, aquilo que determina completamente o sentir de Jesus, a sua palavra, a sua ação, é uma relação única com o Pai. Sobre a cruz, Ele vive plenamente, no amor, esta sua relação filial com Deus, que anima sua oração.

As palavras pronunciadas por Jesus, depois da invocação “Pai”, retomam uma expressão do Salmo 31: “ Em tuas mãos confio meu espírito” (Sal 31,6). Estas palavras, portanto, não são uma simples citação, mas manifestam uma decisão firme: Jesus nos entrega ao Pai em um ato total de abandono. Estas palavras são uma oração de confiança, plena de confiança no amor de Deus. A oração de Jesus diante da morte é dramática como é para cada homem, mas, ao mesmo tempo, é invadida por uma calma profunda que nasce da confiança no Pai e pela vontade de entregar-se totalmente a ele. No Getsêmani, quando entrou na luta final e na oração mais intensa e estava para ser entregue nas mãos dos homens (Lc 9,44), a seu suor se tornou como gotas de sangue que caem por terra (Lc 22,44).
Mas o seu coração era plenamente obediente à vontade do pai, e por isto “um anjo céu” veio confortá-lo (Lc 22,42-43). Agora, nos últimos instantes, Jesus  se volta ao Pai dizendo quais são realmente as mãos as quais Ele entrega toda a sua existência. Antes da partida em direção a Jerusalém, Jesus havia insistido com seus discípulos: “Coloquei sem vossas mentes estas palavras: o Filho do homem está para ser entregue nas mãos dos homens” (Lc 9,44). Agora, quem a vida está para deixá-lo, Ele sela na oração a sua ultima decisão: Jesus se deixou entregar nas mãos dos homens, mas é nas mãos do Pai que Ele coloca o seu espírito; assim – como afirma o Evangelista João – tudo é consumado, o supremo ato de amor é levado até o fim, ao limite e além do limite.

Queridos irmãos e irmãs, as palavras de Jesus sobre a cruz nos últimos instantes da sua vida terrena oferecem indicações precisas para a nossa oração, mas a abrem também para uma serena confiança e uma firme esperança. Jesus que pede ao Pai de perdoar aqueles que o estão crucificando , nos convida ao difícil gesto de rezar também por aqueles que nos prejudicaram, sabendo perdoar sempre, afim que a luz de Deus possa iluminar o coração deles, e nos convida a viver, na nossa oração, a mesma atitude de misericórdia e de amor que Deus tem em relação a nós: “perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tenha ofendido”, dizemos todos os dias no “Pai Nosso”. Ao mesmo tempo, Jesus, que no momento extremo da morte se confia totalmente nas mãos de Deus Pai, nos comunica a certeza que, por mais que sejam duras as provas, difíceis os problemas, não cairemos mais fora das mãos de Deus, aqueles mãos que nos criaram, nos sustentam e nos acompanham no caminho da existência, guiados por um amor infinito e fiel. Obrigado!

Papa Bento XVI

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

QUER FAZER BEM TODAS AS COISAS?






Aprenda com Jesus a não deixar nada pela metade

"Ele tem feito bem todas as coisas" (Mc 7,37). Com essa frase do Evangelho de São Marcos, podemos ver um traço da personalidade de Jesus. Era um homem maduro em todos os sentidos. A maturidade é sinônimo de eficiência, eficácia e simplicidade. Em suma, maturidade é sinônimo de santidade!
Afetivamente: maduro! Psicologicamente: maduro! Politicamente: maduro! Espiritualmente: maduro! Jesus Cristo era tão maduro que, no derradeiro dia, prestes a entregar-se nas mãos do Pai Celeste, afirmou: “Tudo está consumado!” (Jo 19,30). Que êxito! Os seus 33 anos bem vividos. Não faltava nada! Tudo foi "bem" feito. Não deixou as coisas "pela metade". Não precisou de um dia a mais. Nem mesmo um minuto além do que Lhe foi dado. Tudo consumado! Bem diferente de algumas pessoas que chegam ao final da vida com “tudo consumido”. Que incrível diferença faz uma única letra: consumado, consumido. Que alegria seria se muitos dos nossos políticos pudessem ter um fim de mandato semelhante ao de Cristo. Que honra seria saber que muitos padres, pais, médicos, professores, profissionais das mais variadas áreas, encerraram a carreira com tudo “consumado” e não “consumido”!
A maturidade de Cristo se dá não apenas por talento pessoal ou predisposição genética. É verdade que Seus pais: Maria e José, eram justos; isto é, cumpriam fielmente o que lhes era recomendado pela lei religiosa. Mas acima de tudo, Jesus aprendeu isso de Seu Pai Celeste. No início da Bíblia, vemos que Deus criou o mundo e viu que tudo era bom (cf. Gn 1,10). Ou seja, a obra do Todo-poderoso é boa! É bem feita! É perfeita!

Que necessidade temos de aprender essa qualidade de Jesus! Quantas vezes deixamos as coisas por fazer, ou fazemos as coisas de qualquer jeito. Neste mundo escravo do tempo e intoxicado por múltiplas tarefas, descobrimos homens e mulheres apressados, estressados e doentes porque não conseguem cumprir uma agenda, atender todas as solicitações e corresponder a todas as expectativas.
Talvez o grande problema seja nossa extrema capacidade de complicar as coisas que são tão simples. Conseguimos tempo para tudo o que é secundário e deixamos de lado o que é essencial. A escala de valores foi perdendo sua textura natural e acabamos por colocar em primeiro lugar itens que não garantem um final feliz. A vida se torna pesada demais quando colocamos mais peso no telhado e nos esquecemos de fortalecer o alicerce da própria casa. Que o digam os engenheiros encarregados de justificar os desabamentos, causadores de muitas mortes, que vimos nos noticiários nacionais ultimamente.
A estrutura humana ideal é aquela que se assemelha à do Nazareno. Vivia com simplicidade. Valorizava os relacionamentos e dava chance até mesmo àqueles que potencialmente poderiam feri-Lo (Judas). Não se deixou prender pela mágoa, perdoava sempre (“Perdoai-os, eles não sabem o que fazem” – Lc 23,34). Não era preso à própria opinião, sabia submeter-se (“Que se faça a tua vontade, o Pai; e não a minha!” – Lc 22,41).
Era íntegro o bastante para não se afligir com a opinião alheia, acolhia pecadores e excluídos. A todos tinha uma palavra pacífica e orientadora (“Bem-aventurados os mansos!” – Mt 5,5 ). Amadureceu sem se desviar do motivo da própria existência. Aliás, tinha um sentido claro da própria vida (“Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância!” – Jo 10,10).
Quer fazer bem todas as suas coisas? Imite Jesus!
Padre Delton Filho

http://blog.cancaonova.com/padredelton/